Juíza suspende efeitos de medida provisória que proíbe desconto em folha da mensalidade sindical

Ao analisar pleito do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Públicas de Serviços Hospitalares do Rio Grande do Norte, a juíza Audrey Choucair Vaz, em exercício na 15ª Vara do Trabalho de Brasília (DF), suspendeu os efeitos da MP 873/2019, que proíbe o desconto da mensalidade sindical em folha de pagamento, mesmo com anuência do trabalhador. A decisão vale apenas para as partes envolvidas na reclamação em análise. Para a magistrada, a norma questionada viola preceitos constitucionais e põe em risco a manutenção da representação sindical, com danos à representação dos trabalhadores.   Mudança A MP 873/2019 alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para proibir o desconto em folha de pagamento das mensalidades sindicais dos trabalhadores filiados ao respectivo sindicato. Pela norma, a contribuição só pode ser paga por meio de boleto. Na reclamação, ajuizada contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e o Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), a entidade diz que recebeu notificação do órgão federal informando sobre o fim do contrato que permitia a consignação da mensalidade em folha. Ao acionar o judiciário trabalhista, o sindicato disse entender que a mensalidade sindical/associativa não se confunde com a antiga contribuição sindical compulsória, sendo essencial para a manutenção das atividades do sindicato. Salientou, ainda, que não havia urgência ou relevância a justificar a edição de medida provisória sobre o tema e afirmou que a MP questionada atenta contra a autonomia e liberdade sindical, previstos na Constituição Federal, além de normas internacionais ratificadas pelo Estado Brasileiro. Por fim, alegou que o contrato com o SERPRO foi encerrado sem que lhe fosse garantido o direito de contraditório e ampla defesa.   Descontos Ao conceder a tutela antecipada, a juíza explicou que o direito do trabalho reconhece, há anos, a possibilidade de realização de descontos no salário do trabalhador, com a sua concordância. Como exemplos, a magistrada lembrou de descontos em razão de adesão a planos de saúde e entidades recreativas. Esse entendimento, lembrou a magistrada, foi consolidado na Súmula 342 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Existe uma extensa gama de descontos que é permitida na remuneração do trabalhador, sempre com sua concordância. Nesse sentido, a magistrada citou a lei 10.820/2003, que previu a possibilidade de instituições bancárias realizarem empréstimos a trabalhadores, mediante pagamento mensal consignado em folha de pagamento, bem como a lei 8.112/1990 que, ainda que destinada especificamente a servidores públicos, previu a possibilidade de descontos a título de plano de saúde, seguro de vida, pensão alimentícia voluntária, mensalidade cooperativa, financiamentos imobiliários, amortização de despesas realizadas por meio de cartão de crédito. Para a juíza, a MP 873 viola, assim, o princípio da isonomia. "Se o trabalhador é considerado um ser capaz e consciente, e em situação de equilíbrio para negociar com instituições financeiras, empresas de plano de saúde, empresas de seguros de vida, a fim de autorizar descontos em sua remuneração, por que não o seria para também autorizar o desconto em folha da mensalidade sindical voluntária?", questionou a magistrada, ressaltando que não se trata, no caso, de desconto compulsório.   Representação sindical Além disso, ressaltou a juíza, se há um desconto, expressamente autorizado pelo trabalhador, que deve ser mantido, seria o desconto relativo à mensalidade sindical. Isso porque a própria Constituição Federal trata a representação sindical não como algo conveniente ou oportuno, como um empréstimo bancário ou um plano de saúde, mas como algo essencial. Prova disso é que o texto constitucional dedicou toda uma disciplina normativa ao tema, prevendo no artigo 8º (inciso III), que "ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas". Essa defesa, revelou a magistrada, tem um custo operacional, cujo custeio se dá primordialmente pelas mensalidades dos sindicalizados. Por outro lado, a magistrada ressaltou que a chamada reforma trabalhista (lei 13.467/2017) pretendeu ampliar a liberdade de negociação do trabalhador, seja pela via individual, seja pela via coletiva, definindo que podem ser negociados acordos para dispensa, jornada de trabalho, plano de cargos e salários, troca de dia de feriado, teletrabalho, trabalho intermitente. "Por que o trabalhador não poderia negociar um aspecto tão periférico e operacional da mensalidade sindical, que seria seu desconto em folha?", voltou a questionar. A magistrada disse entender, por fim, que a MP 873 ofende o artigo 8º (inciso I) da CF, segundo o qual são "vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical". Para a juíza, o sindicato, caracterizado como associação civil, também goza dessa proteção, conforme prevê o artigo 5º (inciso XVIII) da Constituição.   Tutela antecipada Ao conceder tutela antecipada para suspender os efeitos da MP 873/2019 para as partes envolvidas na reclamação trabalhista, determinando ao SERPRO que mantenha o contrato de adesão que permite o desconto da mensalidade em folha, a magistrada explicou que existe possibilidade de dano de difícil reparação. Com a extinção da contribuição compulsória, a mensalidade sindical voluntária é a principal, senão a única, fonte de custeio das atividades sindicais. Encerrar esse custeio de forma abrupta pode levar ao encerramento da representação sindical, com dano à representação dos trabalhadores, concluiu a juíza.
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